A insólita história da cidade do interior de São Paulo que – como aconteceu com o cigarro – criou uma lei obrigando bares, restaurantes e supermercados a pregar cartazes alertando para os riscos da fruta à saúde
A idéia que mudou a vida do vereador José Mineiro de Camargo, do PSB de Jaú, interior de São Paulo, poderia ter caído de uma árvore, como a maçã que inspirou Isaac Newton a criar a teoria da gravidade. Guardadas as devidas proporções de genialidade, Zé Mineiro, como é conhecido, conta que a carambola atingiu sua cabeça de outra maneira: “Estava na rua conversando com o povo quando um senhor disse que a carambola faz mal para os rins. Fiquei encafifado com aquilo e fui pesquisar na internet. Descobri que era verdade, fiz a lei e corri para o abraço”, diz. No dia 19 de março, o prefeito de Jaú sancionou a lei de Zé Mineiro, aprovada dias antes por unanimidade na Câmara Municipal. O texto diz exatamente o seguinte:
Artigo 1º – Ficam os hospitais, postos de atendimento a saúde, ambulatórios e demais estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, obrigados a manter afixados, em local visível, cartaz (sic) com medida mínima de 40 centímetros na horizontal e 20 centímetros na vertical, com os seguintes dizeres: “Pacientes com insuficiência renal estão proibidos de comer o fruto, ou o doce, ou ingerir o suco da carambola, seja qual for o grau da insuficiência, pois a fruta produz neurotoxina que concentra-se no sangue, atinge os neurônios em concentração maior e provoca soluços, convulsões, podendo levar até a morte. Portanto, não comam”.
Parágrafo único – A obrigação de que trata o “caput” desta lei estendem-se (sic) às empresas que exploram atividades relacionadas a gêneros alimentícios, tais como bares, lanchonetes, padarias, sorveterias, restaurantes, supermercados, quitandas e congêneres.
Sancionada há dois meses, a lei de Zé Mineiro não entrou em prática em toda a cidade, pois muitos comerciantes ainda não foram oficialmente avisados. A norma prevê multa de R$ 520,80 para quem deixar de pregar o cartaz. Se reincidir, a penalidade dobra. A lei trata a carambola como se fosse um produto tóxico nocivo à saúde. É uma fórmula similar às leis que regulam o consumo de álcool, tabaco e de produtos que contêm substâncias consideradas tóxicas.
É verdade que a carambola também tem uma substância tóxica, chamada carambotoxina. De acordo com os médicos, quem tem insuficiência renal pode mesmo sofrer intoxicação ao consumi-la. Nesses casos, o rim debilitado não consegue filtrar a toxina, que, espalhada pela corrente sanguínea, passa a atuar no sistema nervoso. “Ao comer carambola, pessoas com insuficiência renal começam a soluçar incontrolavelmente e vomitar. Em alguns casos, apresentam distúrbios de consciência e convulsões, podem entrar em coma e morrer”, diz o médico Joaquim Coutinho Netto, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
A lei de Zé Mineiro pode, portanto, até parecer justa. Mas será útil? Há razões aritméticas para duvidar. A Santa Casa de Jaú, uma referência na região, atende cerca de 120 pacientes com insuficiência renal – ou 0,09% dos 125 mil habitantes da cidade. Em frente à sala de hemodiálise, há um alerta sobre os riscos da carambola. Segundo a direção do hospital, a placa estava lá antes da lei de Zé Mineiro. “Há alguns anos já alertamos todos os nossos pacientes. Não vejo necessidade de espalhar essa informação para toda a população”, diz o nefrologista Rubens Narciso Gonçalves. Se todos os pacientes já estavam avisados sobre os riscos da carambola antes da criação da lei, faz sentido espalhar alertas em bares, restaurantes, lanchonetes, supermercados, sorveterias e afins?
Embora o município possa fazê-lo, a responsabilidade por criar leis que alertam o consumidor sobre os riscos à saúde geralmente é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Surpreendida pela lei, a Anvisa não sabe dizer se a criação de Zé Mineiro é pertinente. “Precisamos conversar com os acadêmicos para determinar se ela é mesmo importante”, diz Antonia Aquino, gerente de produtos especiais da Anvisa.
“Estava na rua quando um senhor disse que carambola faz mal para o rim. Fiz a lei e corri para o abraço”, diz o vereador
O médico Coutinho Netto deve ser um dos ouvidos pela Anvisa. Ele participou dos estudos que identificaram a carambotoxina em 2003. Nem ele, que teve contato direto com vítimas da intoxicação, acha a lei razoável. “Centros de nefrologia e hemodiálise do mundo todo já dão o alerta a seus pacientes”, diz Coutinho Netto, dono de duas caramboleiras no quintal de casa, em Ribeirão Preto. “Avisar em bar é um exagero.” Segundo Coutinho, pessoas sem insuficiência renal não correm risco ao comer a fruta.
Zé Mineiro tem 54 anos, é separado e tem cinco filhos. Os mais velhos cuidam da empresa da família, uma empreiteira especializada na montagem de usinas de açúcar e álcool. Segundo seus amigos de Jaú, ele já ficou rico e quebrou algumas vezes. “Gosto mesmo é de fazer política”, diz Zé Mineiro. Ele cumpre seu terceiro mandato como vereador. Até hoje, não somou mais que 2 mil votos em nenhuma das eleições que ganhou. Já perdeu uma disputa para prefeito e outras três para deputado estadual. Depois de criar a lei da carambola, deu entrevistas para jornais, rádios, TVs e sites de todo o país, ganhou fama nacional e virou celebridade nas ruas de Jaú.
Ele diz não ligar para as críticas. “O povo tem de ser informado de tudo. Se a minha lei salvar uma vida, já valeu a pena”, afirma. Pelo menos sua própria vida ela já ajudou. Zé Mineiro parece ter ganhado fôlego para disputar o quarto mandato como vereador. Quando circula pela cidade em sua moto Honda CB 250 prata, ele só deixa de cumprimentar os cachorros (para os donos, criou uma lei obrigando o uso de sacola plástica para retirar a sujeira da calçada). Em tom de piada, promete autógrafos aos possíveis eleitores. E orgulha-se em dizer que vereadores de outras cidades já telefonaram pedindo cópia da lei para implantá-la.
A carambola não é uma fruta comum em Jaú. A reportagem de ÉPOCA visitou 14 bares, restaurantes e sorveterias da cidade. Nenhum deles vende produtos de carambola, embora uma das lanchonetes ofereça 28 sabores de sucos naturais, incluindo o excêntrico pitanga com leite. Na única feira livre de Jaú, os feirantes dizem que a carambola não é comum na região. Naquele dia não havia nenhuma à venda. Jaú não produz carambola. As fazendas locais estão tomadas pela cana-de-açúcar. Apesar disso, nenhum vereador teve a idéia de criar uma lei obrigando todos os estabelecimentos a afixar avisos sobre o risco do consumo de caldo-de-cana a diabéticos e obesos. Pelo menos até agora.
Faz bem ou faz mal? - O que dizem os médicos sobre os riscos e os benefícios da carambola
MITOS
É BOA PARA DIABÉTICOS
Não há comprovação científica de que a carambola contenha alguma substância capaz de diminuir a quantidade de açúcar no sangue
FAZ BEM PARA O RIM
Consumida por pacientes com insuficiência renal, a carambola pode causar envenenamento. Para pacientes saudáveis, não faz nem bem, nem mal VERDADES
PREVINE O ENVELHECIMENTO
Rica em polifenóis, a mesma substância encontrada no vinho, a fruta tem propriedades antioxidantes. Elas combatem compostos responsáveis pelo envelhecimento
FORTALECE O SISTEMA IMUNOLÓGICO
Rica em vitaminas A, C e do complexo B, ajuda a combater o escorbuto, doença causada pela carência de vitamina C que causa hemorragias
A idéia que mudou a vida do vereador José Mineiro de Camargo, do PSB de Jaú, interior de São Paulo, poderia ter caído de uma árvore, como a maçã que inspirou Isaac Newton a criar a teoria da gravidade. Guardadas as devidas proporções de genialidade, Zé Mineiro, como é conhecido, conta que a carambola atingiu sua cabeça de outra maneira: “Estava na rua conversando com o povo quando um senhor disse que a carambola faz mal para os rins. Fiquei encafifado com aquilo e fui pesquisar na internet. Descobri que era verdade, fiz a lei e corri para o abraço”, diz. No dia 19 de março, o prefeito de Jaú sancionou a lei de Zé Mineiro, aprovada dias antes por unanimidade na Câmara Municipal. O texto diz exatamente o seguinte:
Artigo 1º – Ficam os hospitais, postos de atendimento a saúde, ambulatórios e demais estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, obrigados a manter afixados, em local visível, cartaz (sic) com medida mínima de 40 centímetros na horizontal e 20 centímetros na vertical, com os seguintes dizeres: “Pacientes com insuficiência renal estão proibidos de comer o fruto, ou o doce, ou ingerir o suco da carambola, seja qual for o grau da insuficiência, pois a fruta produz neurotoxina que concentra-se no sangue, atinge os neurônios em concentração maior e provoca soluços, convulsões, podendo levar até a morte. Portanto, não comam”.
Parágrafo único – A obrigação de que trata o “caput” desta lei estendem-se (sic) às empresas que exploram atividades relacionadas a gêneros alimentícios, tais como bares, lanchonetes, padarias, sorveterias, restaurantes, supermercados, quitandas e congêneres.
Sancionada há dois meses, a lei de Zé Mineiro não entrou em prática em toda a cidade, pois muitos comerciantes ainda não foram oficialmente avisados. A norma prevê multa de R$ 520,80 para quem deixar de pregar o cartaz. Se reincidir, a penalidade dobra. A lei trata a carambola como se fosse um produto tóxico nocivo à saúde. É uma fórmula similar às leis que regulam o consumo de álcool, tabaco e de produtos que contêm substâncias consideradas tóxicas.
É verdade que a carambola também tem uma substância tóxica, chamada carambotoxina. De acordo com os médicos, quem tem insuficiência renal pode mesmo sofrer intoxicação ao consumi-la. Nesses casos, o rim debilitado não consegue filtrar a toxina, que, espalhada pela corrente sanguínea, passa a atuar no sistema nervoso. “Ao comer carambola, pessoas com insuficiência renal começam a soluçar incontrolavelmente e vomitar. Em alguns casos, apresentam distúrbios de consciência e convulsões, podem entrar em coma e morrer”, diz o médico Joaquim Coutinho Netto, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
A lei de Zé Mineiro pode, portanto, até parecer justa. Mas será útil? Há razões aritméticas para duvidar. A Santa Casa de Jaú, uma referência na região, atende cerca de 120 pacientes com insuficiência renal – ou 0,09% dos 125 mil habitantes da cidade. Em frente à sala de hemodiálise, há um alerta sobre os riscos da carambola. Segundo a direção do hospital, a placa estava lá antes da lei de Zé Mineiro. “Há alguns anos já alertamos todos os nossos pacientes. Não vejo necessidade de espalhar essa informação para toda a população”, diz o nefrologista Rubens Narciso Gonçalves. Se todos os pacientes já estavam avisados sobre os riscos da carambola antes da criação da lei, faz sentido espalhar alertas em bares, restaurantes, lanchonetes, supermercados, sorveterias e afins?
Embora o município possa fazê-lo, a responsabilidade por criar leis que alertam o consumidor sobre os riscos à saúde geralmente é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Surpreendida pela lei, a Anvisa não sabe dizer se a criação de Zé Mineiro é pertinente. “Precisamos conversar com os acadêmicos para determinar se ela é mesmo importante”, diz Antonia Aquino, gerente de produtos especiais da Anvisa.
“Estava na rua quando um senhor disse que carambola faz mal para o rim. Fiz a lei e corri para o abraço”, diz o vereador
O médico Coutinho Netto deve ser um dos ouvidos pela Anvisa. Ele participou dos estudos que identificaram a carambotoxina em 2003. Nem ele, que teve contato direto com vítimas da intoxicação, acha a lei razoável. “Centros de nefrologia e hemodiálise do mundo todo já dão o alerta a seus pacientes”, diz Coutinho Netto, dono de duas caramboleiras no quintal de casa, em Ribeirão Preto. “Avisar em bar é um exagero.” Segundo Coutinho, pessoas sem insuficiência renal não correm risco ao comer a fruta.
Zé Mineiro tem 54 anos, é separado e tem cinco filhos. Os mais velhos cuidam da empresa da família, uma empreiteira especializada na montagem de usinas de açúcar e álcool. Segundo seus amigos de Jaú, ele já ficou rico e quebrou algumas vezes. “Gosto mesmo é de fazer política”, diz Zé Mineiro. Ele cumpre seu terceiro mandato como vereador. Até hoje, não somou mais que 2 mil votos em nenhuma das eleições que ganhou. Já perdeu uma disputa para prefeito e outras três para deputado estadual. Depois de criar a lei da carambola, deu entrevistas para jornais, rádios, TVs e sites de todo o país, ganhou fama nacional e virou celebridade nas ruas de Jaú.
Ele diz não ligar para as críticas. “O povo tem de ser informado de tudo. Se a minha lei salvar uma vida, já valeu a pena”, afirma. Pelo menos sua própria vida ela já ajudou. Zé Mineiro parece ter ganhado fôlego para disputar o quarto mandato como vereador. Quando circula pela cidade em sua moto Honda CB 250 prata, ele só deixa de cumprimentar os cachorros (para os donos, criou uma lei obrigando o uso de sacola plástica para retirar a sujeira da calçada). Em tom de piada, promete autógrafos aos possíveis eleitores. E orgulha-se em dizer que vereadores de outras cidades já telefonaram pedindo cópia da lei para implantá-la.
A carambola não é uma fruta comum em Jaú. A reportagem de ÉPOCA visitou 14 bares, restaurantes e sorveterias da cidade. Nenhum deles vende produtos de carambola, embora uma das lanchonetes ofereça 28 sabores de sucos naturais, incluindo o excêntrico pitanga com leite. Na única feira livre de Jaú, os feirantes dizem que a carambola não é comum na região. Naquele dia não havia nenhuma à venda. Jaú não produz carambola. As fazendas locais estão tomadas pela cana-de-açúcar. Apesar disso, nenhum vereador teve a idéia de criar uma lei obrigando todos os estabelecimentos a afixar avisos sobre o risco do consumo de caldo-de-cana a diabéticos e obesos. Pelo menos até agora.
Faz bem ou faz mal? - O que dizem os médicos sobre os riscos e os benefícios da carambola
MITOS
É BOA PARA DIABÉTICOS
Não há comprovação científica de que a carambola contenha alguma substância capaz de diminuir a quantidade de açúcar no sangue
FAZ BEM PARA O RIM
Consumida por pacientes com insuficiência renal, a carambola pode causar envenenamento. Para pacientes saudáveis, não faz nem bem, nem mal VERDADES
PREVINE O ENVELHECIMENTO
Rica em polifenóis, a mesma substância encontrada no vinho, a fruta tem propriedades antioxidantes. Elas combatem compostos responsáveis pelo envelhecimento
FORTALECE O SISTEMA IMUNOLÓGICO
Rica em vitaminas A, C e do complexo B, ajuda a combater o escorbuto, doença causada pela carência de vitamina C que causa hemorragias
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